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Hesse, Hermann. O Lobo da Estepe.




O homem devia orgulhar-se da dor; toda dor é uma manifestação de nossa elevada estirpe. (Novalis)

A maioria dos homens não quer nadar antes que o possa fazer. Não é engraçado? Naturalmente, não querem nadar. Nasceram para andar na terra e não para a água. E, naturalmente, não querem pensar: foram criados para viver e não para pensar! Isto mesmo! E quem pensa, quem faz do pensamento sua principal atividade, pode chegar muito longe com isso, mas, sem dúvida estará confundindo a terra com a água e um dia morrerá afogado.

(...) no morno ar desse contente aborrecimento, dessa ausência de dor tão digna de nota, o semideus solitário e o semideus um tanto encanecido que cantava o saí-mo incolor pareciam gêmeos.

Cada época, cada cultura, cada costume e tradição têm o seu próprio estilo, têm sua delicadeza e sua severidade, suas belezas e crueldades, aceitam certos sofrimentos como naturais, sofrem pacientemente certas desgraças. O verdadeiro sofrimento, o verdadeiro inferno da vida humana reside ali onde se chocam duas culturas ou duas religiões. Um homem da antiguidade, que tivesse de viver na Idade Média, haveria de sentir-se tão afogado quanto um selvagem se sentiria em nossa civilização. Há momentos em que toda uma geração cai entre dois estilos de vida, e toda a evidência, toda a moral, toda salvação e inocência ficam perdidos para ela.

Uma noite aconteceu que, estando insone, comecei a declamar versos, versos muito mais belos e estranhos do que jamais teria sonhado escrever, versos que de manhã já havia esquecido, mas que permaneciam ocultos dentro de mim como um duro cerne sob a casca quebradiça. Outra vez, ocorreu-me isto com a leitura de um poeta, ou meditando um pensamento de Descartes, de Pascal; e numa outra, vi brilhar de novo a trilha dourada, que conduzia ao céu, quando me encontrava na presença de minha amada. Ah, é difícil achar esse trilho de Deus em meio à vida que levamos, na embrutecida monotonia de uma era de cegueira espiritual, com sua arquitetura, seus negócios, sua política e seus homens!

Quem fizera justiça à diligente dona-de-casa do primeiro andar e ao seu luzido pinheirinho? Quem lia à noite, sobre o Reno, a inscrição que as nuvens formavam na névoa? O Lobo da Estepe. E quem buscava entre os escombros da vida o seu significado esvoaçante, quem sofria com a aparente insensatez, quem vivia com o que parecia louco, quem esperava em segredo no último e confuso abismo a revelação de Deus e sua vinda?

Éramos nós, velhos conhecedores e reverenciadores da verdadeira poesia de outros tempos, apenas uma minoria estúpida de complicados neuróticos, que amanhã seriam esquecidos e ridicularizados? O que chamamos cultura, o que chamamos espírito, alma, o que temos por belo, formoso e santo, seria simplesmente um fantasma, já morto há muito, e considerado vivo e verdadeiro só por meia dúzia de loucos como nós?

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes — aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível
Ocorria a ele o que se dá com todos o que buscava e desejava com um impulso íntimo de seu ser acabava por ser-lhe concedido, mas em grau demasiadamente superior ao que convém a um homem. A princípio, o que obtinha parecia-lhe um sonho e uma satisfação, mas logo se revelava como sendo o seu amargo destino. Assim, o poderoso era arruinado pelo poder, o rico pelo dinheiro, o subserviente pela submissão, o luxuoso pela luxúria.

(...) não se devem considerar suicidas somente aqueles que se matam.

Viver intensamente só se consegue à custa do eu

O homem não é uma forma fixa e duradoura (tal era o ideal dos antigos, apesar do pensamento em contrário de alguns luminares da época); é antes um ensaio e uma transição, não é outra coisa senão a estreita e perigosa ponte entre a Natureza e o Espírito.

(...) o apego desesperado ao próprio eu, a desesperada ânsia de viver, são o caminho mais seguro para a morte eterna, ao passo que o saber morrer, rasgar o véu do mistério. ir procurando eternamente mutações em si mesmo, conduz à imortalidade.

O caminho para a inocência, para o incriado, para Deus, não se dirige para trás mas sim para diante; não para o lobo ou a criança, mas cada vez mais para a culpa, cada vez mais fundamente dentro da encarnação humana.

(...) pobre daquele que não pode se dar a um prazer sem pedir antes a permissão dos outros.

(...) quem vivia assim tão no presente e sabia apreciar tão cuidadosa e amigavelmente cada florzinha do caminho, estava acima de tudo e a vida nada podia contra ela.

É sabido que ninguém escreve pior do que os partidários das velhas ideologias, das idéias decrépitas; ninguém exerce sua profissão de jornalista com menos dignidade e consciência.

A luta contra a morte, meu caro Harry, é sempre uma coisa bela, nobre, prodigiosa e digna, da mesma forma que a luta contra a guerra. Mas há de ser sempre uma quixotada sem esperanças.
(...) quanta miséria e desatino temos de passar para chegar a casa! e não temos ninguém que nos guie, a não ser nosso desejo de chegar

Uma vida fácil, um amor fácil, uma morte fácil – tais coisas não eram para mim.

(...) embora admita que o conceito do dever não mais me atinja, conheço contudo o conceito da culpa; talvez sejam a mesma coisa. Desde o instante em que nasci, já era culpado, condenado a viver, obrigado a pertencer a um estado, a ser soldado, a matar, a pagar impostos para comprarem armas.

19/04/2013 10:12
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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